segunda-feira, 28 de julho de 2014

Instabilidade democrática e as mobilizações populares


Por João Paulino

Acadêmico de Direito da UnP, militante do Coletivo Darcy Ribeiro.


Em 2013, a nossa Constituição comemorou 25 anos de sua promulgação, e tal comemoração serviu também para renovar os ideais por ela consagrados. O ano de 2013 foi importante também, principalmente o mês de junho, pelo início de inúmeras manifestações por todo o Brasil, com pautas das mais diversas, e que se desdobram até os dias atuais. Momento singular vivido pelo país, que de há muito não via o povo na rua dessa forma.



Em meio a essa explosão de democracia e cidadania, apareceram os meios de controle do Estado (detentor do poder coercitivo), atuando efetivamente em seu papel de contingenciar o legítimo manifesto do povo. Ações das PMs, notadamente desproporcionais, com uso excessivo da força, foram marcas registradas nos protestos, mormente, na pele dos manifestantes, que sentiram a força do cassetete e as dores das balas de borracha. As atuações desastrosas aconteceram reiteradamente, todas legitimadas pelos Poderes do Estado. Agora, a “chibata” não está sendo mais exclusividade do pobre e do negro favelado, alcança também aqueles que estão nas ruas tentando mudar uma realidade, através do que consagra a nossa Constituição.




Evidenciou-se ao longo do tempo e das manifestações, que o Estado e seus representantes não sabem, ainda, lidar com o pleno exercício democrático; cabe trazer a lume também, as desproporções por parte de supostos “manifestantes” que acabaram generalizando um movimento legítimo, e proporcionando à polícia, a ligeira associação: manifestante = vândalo; se vândalo = “desce a borracha”. Criou-se um sofisma que simplesmente passou a legitimar e reavivar nos dias atuais, o que acontecera nos inesquecíveis anos obscuros da ditadura militar; a política do “bater depois averiguar”, “justiça rápida e instantânea”, ou simplesmente: silenciar a voz do povo.



A problemática trazida ao quadro de discussões toma outros níveis de proporção e gravidade, a partir do momento que as balas de borracha e cassetetes, dão espaço às canetas dos burocratas, desde legisladores a magistrados, membros do Ministério Público a delegados de polícia. A repressão figura agora em outro âmbito, muito mais prejudicial e perigoso.



Preliminarmente olhemos a nossa Constituição. Não se precisa ir muito longe; o artigo 1º é claro: “A República Federativa do Brasil[...]constitui-se em Estado Democrático de Direito[...]”; é evidente que o constituinte teve a preocupação de classificar o Estado brasileiro como democrático, irradiando seus valores a todas as instituições e ao ordenamento jurídico pátrio. O princípio democrático salvaguardado por nossa Constituição sustenta-se nos valores de igualdade e liberdade, emanando-se daí, direitos como: liberdade de manifestação, reunião pacífica, contraditório e a ampla defesa, o devido processo legal, a presunção de inocência e entre tantos outros que visam garantir o pleno exercício da democracia e da cidadania, ambos proeminentes em um legítimo Estado Democrático. No entanto, o que vemos acontecer é o contrário, não apenas pelas as exacerbações ocorridas nas atuações das polícias militares, mas agora a ratificação das ações militares, por aqueles que deveriam ser agentes públicos combatentes de toda e qualquer forma de repressão, visando à transparência das ações do Estado.



De 2013 até agora (exatamente Julho de 2014), as ações do Estado tiveram um único objetivo: coibir as manifestações durante a Copa do Mundo de Futebol. Fomos obrigados a viver em um verdadeiro “Estado Futebolístico de Exceção”. Porém, as exceções não começaram apenas com a Copa. Direitos garantidos que foram deixados de lado para atender as exigências da FIFA, até leis que criminalizavam as manifestações, querendo enquadrá-las em terrorismo. De fato, golpes duros foram sofridos pela democracia brasileira — tão jovem e já lutando por sua “vida”. No entanto, os golpes não param. Vemos aos poucos a nossa democracia ser espezinhada, com inúmeras arbitrariedades nos três Poderes do Estado. Investigações que se iniciaram com turbidez e terminam com imensa opacidade, interferindo diretamente no exercício do direito de plena defesa por exemplo. Outras, que contém mais de 2000 páginas e tornam-se um processo criminal no incrível tempo de 2 horas — esse membro do Ministério Público deveria abandonar a carreira e ir pro Guiness Book. E agora uma das “cerejas do bolo”: prisões feitas no puro exercício da “futurologia”, ou será que Hollywood é aqui e estamos vivendo no contexto do filme Minority Report e a divisão “pré-crime” já foi criada e está em pleno funcionamento? Cômico seria se perigoso não fosse. Prisões cautelares são exceções e não regra, e quando se culmina na necessidade de serem executadas, requisitos mínimos são necessários para elas acontecerem, diga-se de passagem que estes, não foram atendidos na fundamentação da sentença que as expediu. Prisões como estas, têm cariz de políticas, muito semelhantes as que aconteceram durante a ditadura militar. Será que já podemos vislumbrar para daqui a alguns anos, uma nova Comissão Nacional da Verdade, para alumiar os casos obscuros do presente? Mal completamos um processo transitório, tardio, cheio de percalços e teremos que novamente lutar, por direitos já adquiridos, que estão constantemente sendo violados?



As manifestações trouxeram a tona o que já acontecia há tempos, longe dos nossos olhos, mas bem perto daqueles que estão à margem da sociedade e do Estado; que seu cotidiano é a exceção. É necessário acendermos o sinal de alerta. É precipitado falar-se em crise democrática, mas é necessário estarmos cientes da instabilidade que nossa democracia vive, para não retrocedermos no tempo, e revivermos o que deveria ficar no passado, e servir apenas de aprendizado. Não podemos errar duas vezes.



Garantir as manifestações populares (obviamente ordeiras), é uma necessidade existencial para o Estado Democrático de Direito; a democracia como um processo dialético que é, não existe sem um dos lados, afinal se assim o fosse, viveríamos ainda em uma ditadura e não em uma democracia. Ou será que estamos enganados?

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